Leveduras e o efeito colateral do câncer

Beatriz Dias Barbieri
Instituto de Biociências/USP

O câncer é uma doença multifatorial. Para explicar o tratamento dessas doenças de mecanismos muito complicados, como é o caso de tumores malignos, pode-se fazer a seguinte analogia:

Imagine que um boi entra numa loja típica chinesa cheia de produtos e mais produtos. Seu objetivo é destruir um prato vermelho específico de uma prateleira. Eventualmente, ele conseguirá quebrar este prato, só que a quebra deste prato acarretou na quebra de muitos outros artigos da loja. Ou seja, o efeito colateral é muito grande.

O mesmo ocorre com o câncer. Somos capazes de eliminar as células cancerosas, mas não somos capazes de evitar os danos às células saudáveis, causando um efeito colateral bastante prejudicial.

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Fonte: Wikipedia 

Buscando uma solução para essa problemática, Deshpande e colaboradores desenvolveram um estudo baseado numa estratégia genética denominada letal sintético. Este termo designa uma relação genética que consiste na mutação de determinados pares de genes que acabam matando a célula. Entretanto, a mutação de cada gene separadamente causa pouco ou nenhum efeito na viabilidade celular.

E por que isso é relevante ao câncer? Se formos capazes de identificar e marcar os parceiros sintéticos letais dos genes mutados, as células cancerosas irão morrer sem afetar as células normais. Ou seja, é um tratamento altamente eficaz para este tipo de doença, uma vez que as células cancerosas sofrem uma série de mutações.

A levedura Saccharomyces cerevisiae é a melhor ferramenta para se realizar estudos globais de interações genéticas O estudo realizado, então, consistiu em analisar a interação entre 5.4 milhões de pares de genes da S. cerevisiae de modo a encontrar os melhores parceiros sintéticos letais. Encontraram 116.000 pares que afetavam o crescimento significantemente, mas somente se ambos os genes do par estivessem mutados.

geneDesses 116.000, foram encontrados 24.000 pares que possuíam ambos os genes ortólogos aos genes humanos. Desses, 500 pares possuíam pelo menos um gene que já foi encontrado mutado em casos de câncer.

A partir desses 500 pares, foram selecionados 21 pares para serem estudados em linhagens de células de mamíferos. Os critérios foram força e reprodução do efeito “sintético letal” e a certeza da ortologia específica entre o gene de levedura e o humano.

Ao afetar a expressão desses 21 pares de genes, foram encontrados seis pares que eram capazes de prejudicar o crescimento celular. Para prosseguir a pesquisa, focaram-se nos dois pares mais fortes: SMARCB1/PMSA4 e ASPSCR1/PSMC2 (que correspondem aos genes ortólogos de levedura SNF5/PRE9 e UBX4/RPT1, respectivamente).

Foram encontradas duas linhagens de células cancerosas que corroboravam com as versões mutadas do gene SMARCB1. Quando seu parceiro sintético letal (PMSA4) teve sua concentração diminuída na célula, o crescimento de cada linhagem celular estava bem comprometido. Mas, a linhagem celular que possuía a versão selvagem do gene SMARCB1 não foi afetada pela concentração do PMSA4.

Através deste estudo, é possível notar novamente a enorme importância da S. cerevisiae como organismo modelo para pesquisas na área da saúde, nesse caso o câncer, um problema muito grande para o atual quadro da saúde mundial. O estudo de letais sintéticos, que há muito tempo é utilizado em S. cerevisiae, pode agora favorecer o tratamento de tumores malignos, o que possivelmente evitará os efeitos colaterais do seu tratamento, como vômito, anemia, perda de cabelo, entre outros.

FONTES E LINKS EXTERNOS
Deshpande, R. et al. A Comparative Genomic Approach for Identifying Synthetic Lethal Interactions in Human Cancer. Cancer Research (2013).
Using Yeast to Find Better Cancer Treatments (SGD)