O projeto da professora Claudete Rodrigues Paula, atualmente professora Senior da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo e ex professora do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, é um exemplo prático de “quando a pesquisa tem retorno direto para a sociedade”, segundo suas palavras. Com o apoio da FAPESP e do CNPq, a docente e sua equipe lançaram um folheto para auxiliar os médicos no tratamento de infecções hospitalares causadas por fungos.
O folder é resultado de vários estudos de pós-graduação desenvolvidos no Laboratório de Leveduras Patogênicas do ICB. Como parte das pesquisas sobre infecção hospitalar, foi concebido um folheto que mostra o perfil de sensibilidade e resistência de leveduras a drogas antifúngicas. Ao todo, três mil exemplares foram distribuídos em hospitais, faculdades e até na Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.
O trabalho de Claudete começou há dez anos, quando ela e seus alunos desenvolveram um auxílio voluntário para o Hospital Darcy Vargas, localizado na região do Morumbi, zona sul da cidade de São Paulo. A equipe médica, em caso de suspeita de infecção fúngica em algum paciente, enviava material clínico (sangue ou algum fluido estéril) para o laboratório do ICB.
Em até 48 horas a infecção e a espécie de levedura eram confirmadas e os testes de sensibilidade e resistência aos antifúngicos usuais eram enviados para o hospital. O médico, então, podia escolher com mais segurança qual terapêutica adotar. “Nosso laboratório é de pesquisa, não de rotina. Em defesa da vida, nós abrimos as portas também para a sociedade”, revela Claudete. A taxa de mortalidade por infecção fúngica nos hospitais chega a 60%.
Na defesa dessa causa, a docente enfrentou até a academia, optando por utilizar um método comercial em detrimento de outro (“gold standard” NCCLS) que era mais aceito nos meios acadêmicos, mas que demorava até uma semana para fornecer os resultados. “Em casos de emergência, como são as infecções hospitalares, esperar tanto tempo pode significar a morte de pacientes”, pontua Claudete.
Mesmo assim, foi só após publicar um artigo na Revista de Medicina Tropical de São Paulo, em 1998, demonstrando a alta concordância do kit comercial na comparação com o “gold standard”, que a professora conquistou força no meio acadêmico.
O sucesso do trabalho desenvolvido no Hospital Darcy Vargas foi tão grande que hoje o Laboratório de Leveduras Patogênicas tem convênio com quatro hospitais públicos na capital paulista e dois no interior do Estado. Além disso, oferece treinamento gratuito para profissionais de hospitais do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio de Janeiro, e consegue identificar, através de análise genética de espécies de leveduras, quando ocorrem surtos epidêmicos.
A professora lembra com alegria o caso ocorrido há três anos, quando um pediatra do Hospital Darcy Vargas trocou o antifúngico com o qual tratava uma criança com infecção hospitalar após orientação do laboratório. Depois da escolha, o paciente saiu da UTI (Unidade de Tratamento Intensivo). Em outro caso, o laboratório enviou o folheto para o pai de um recém-nascido prematuro com infecção. O médico que tratou a criança se orientou pelo folder.
Tantos projetos voltados para a comunidade, no entanto, preocupam Claudete. “Não temos infra-estrutura suficiente para tanta demanda”, afirma. O laboratório tem cerca de 100m2 e conta com apenas doze pós-graduandos, que também desenvolvem suas pesquisas específicas. Uma das saídas para o impasse seria oferecer cursos de capacitação nos hospitais, caso houvesse um convênio com a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, que se responsabilizaria também por equipar os estabelecimentos com os materiais necessários.
Prevenindo infecções
A falta de informações e cuidados por parte da equipe médica levou a um aumento sensível dos casos de infecções por fungos em hospitais. Como esse tipo infecção é pouco conhecido, muitos médicos demoram para tratar o paciente da maneira correta. Por semana, ao menos dois casos são confirmados pelo laboratório do ICB.
A infecção hospitalar é aquela que atinge o paciente que não apresentava nenhum quadro clínico de infecção no momento em que é internado no hospital e é constatada ao menos após sete dias da admissão, seja durante o tratamento ou depois da alta. Uma infecção fúngica pode até causar meningite.
Os principais fungos de infecções hospitalares fazem parte da própria microbiota da pessoa. Estão na boca, na secreção vaginal, na pele etc. Porém, quando ocorre uma infecção, a fonte pode ser o hospital ou o próprio paciente, desde que ele tenha sido submetido a fatores de risco.
Um deles é o tratamento prolongado com drogas antibacterianas, que eliminam todas as bactérias e deixam maior disponibilidade de nutrientes para os fungos. Estes, que já estão presentes no corpo humano, aumentam. Para evitar complicações, deve sempre atentar para a população fúngica, por meio de amostras do paciente. “O mais indicado é fazer um tratamento profilático para fungos”, afirma Claudete.
O aumento da sobrevida dos pacientes imunocomprometidos, como transplantados e portadores de HIV, contribuiu para o crescimento das infecções, por serem um público mais suscetível aos fungos. Recém-nascidos e idosos também são alvos fáceis das leveduras.
Outra questão é quanto a alguns equipamentos hospitalares que, embora sofisticados, acabam levando os fungos até o sangue. Mas a medida mais simples de evitar infecções é a limpeza do ambiente e da equipe médica, diz a professora: “Lavar as mãos e usar luvas é fundamental”.