Mário H. Barros (Lattes)
Laboratório Biogênese Mitocondrial – Departamento de Microbiologia – ICB/USP
Muitos microrganismos são utilizados como organismos-modelos em estudos sobre o funcionamento de nossas células. Neurospora crassa é um fungo filamentoso da divisão dos Ascomicetos e o seu emprego no estudo da síntese de arginina foi fundamental na compreensão de como os genes e suas variantes alélicas afetam a atividade das enzimas celulares.
Os pesquisadores George W. Beadle e Edward L. Tatum começaram em 1937 a isolar mutantes de Neurospora com deficiências bioquímicas específicas, como, por exemplo, na síntese de arginina. Seus trabalhos foram facilitados pela possibilidade de cultivo em meio mínimo no qual era adicionado, de forma independente, vitaminas ou aminoácidos, como a arginina (Figura 1).
Os pequisadores isolaram mutantes que não cresciam sem esse aminoácido, e como eles eram haplóides, podiam cruzá-los entre si formando diplóides. Testava-se a seguir se os diplóides recém formados tinham ou não, restabelecido a capacidade de crescimento sem arginina. Em caso positivo, quando os diplóides cresciam sem arginina, concluía-se que os mutantes haplóides tiveram suas deficiências enzimáticas complementadas, sendo chamados de grupos de complementação distintos. Por outro lado, quando os diplóides formados ainda eram incapazes de crescer sem arginina, concluía-se que tratavam-se de mutantes do mesmo grupo de complementação e a mesma etapa enzimática estava interrompida nas linhagens haplóides (Figura 2).
Cada uma das três classes de mutantes que Beadle e Tatum isolaram através dos testes de complementação, se caracterizavam pelo acúmulo, ou não, de um composto específico em seu citoplasma. Assim, os mutantes da classe “A” acumulavam um precursor desconhecido, os mutantes da classe “B” acumulavam ornitina, e os mutantes da classe “C” citrulina. A adição de arginina ao meio de cultura permitira o crescimento das classes “A, B e C”, com citrulina sendo adicionada, cresciam “A e B” e a adição de ornitina bastava somente para “B”. Através desse conjunto de resultados chegou-se a uma via metabólica com precursor no início e ornitina e citrulina sendo geradas na sequência para a síntese da arginina.
Neurospora crassa se encaixou como modelo nos experimentos de Beadle e Tatum por diversas características favoráveis, tais como: ciclo de vida com alternância entre gerações, haplóide e diplóide; facilidade de cruzamentos; possibilidade de cultivo com diferentes seleções; tempo de vida curto. Beadle e Tatum foram os primeiros a mostrar com seus estudos em Neurospora que o defeito enzimático do metabolismo que estudavam era decorrente de uma alteração genética, merecendo o prêmio Nobel de medicina em 1958.