Edmar Ramos de Oliveira Filho – Laboratório de Bioprodutos – ICB – USP

A sociedade moderna é dependente do uso de materiais plásticos em grandes quantidades. Plásticos são usados em embalagens e diversos produtos descartáveis e até para fins mais nobres, como fios de sutura e outros materiais cirúrgicos. Devido a seu uso em grandes quantidades e a dificuldades em seu processo de reciclagem, além de difícil degradação no meio ambiente, esse material está se acumulando, poluindo rios, praias e outros ambientes. Além disso, o petróleo, que é a matéria-prima usada para sua produção, está cada vez mais limitado e mais caro. Como alternativa ao uso de plásticos convencionais, derivados do petróleo, diversas famílias de bioplásticos vêm sendo estudadas, como as poliaminas, policaprolactonas, polilactato, guta-percha e polímeros da família dos polihidroxialcanoatos (PHAs).

Os PHAs se diferenciam, pois são biomateriais naturais, produzidos e acumulados por diversas espécies bacterianas como reserva de energia, na forma de grânulos intracelulares (Figura 1). São degradados naturalmente no ambiente, são biocompatíveis, isto é, não estranhos ao sistema imune, o que possibilita seu uso como materiais cirúrgicos, e podem ser produzidos a partir de fontes renováveis. São formados por subunidades, denominadas monômeros, que são constituídos de átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio (Figura 2).

granulos pha

Figura 1: Microscopia de células bacterianas contendo grânulos intracelulares de PHA

monomero pha

Figura 2: Estrutura genérica do monômero de PHA, sendo (m) o número de átomos de carbonos que formam o monômero.

O número de átomos de carbono em cada monômero da cadeia determina as características finais do polímero, influenciando em sua aplicação. Quando os monômeros têm até 5 átomos de carbono, o plástico é mais duro e resistente, semelhante ao plástico usado para fazer uma régua, por exemplo. Já quando os monômeros têm de 6 a 14 átomos de carbono, o polímero é mais flexível e elástico, como os plásticos usados para fazer elásticos de dinheiro e filmes usados em cozinha para embalar alimentos.

Três fatores principais determinam o tipo de PHA produzido: o material usado pela bactéria como fonte de carbono, suas vias metabólicas e o tipo de enzima de síntese que ela apresenta, chamada de PHA sintase. Essa enzima é considerada chave no processo de união dos monômeros, formando o polímero que é acumulado pela bactéria. Muitas pesquisas estão focadas na construção de bactérias geneticamente modificadas, capazes de usar diferentes matérias-primas para seu crescimento e produção de PHA, e capazes de produzir polímeros diferenciados, com composição específica para ampliar suas aplicações. Alguns grupos de pesquisa estão focados no uso de resíduos como matéria-prima, como bagaço de cana-de-açúcar, esgoto, lixo doméstico, gás natural ou outros resíduos industriais. Isso reduziria de forma considerável o custo de produção desses plásticos, facilitando sua aplicação em nossa vida cotidiana.

Para produção de polímeros com características diferentes, é possível alterar o metabolismo da célula bacteriana ou introduzir genes de PHA sintase de outro microrganismo na bactéria de interesse. Meu projeto de pesquisa tem como objetivo a introdução de genes de PHA sintase de diferentes bactérias em uma nova espécie do gênero Pseudomonas (LFM 046). Essa bactéria foi isolada de solo de plantação de cana-de-açúcar do interior do estado de São Paulo, sendo descrita como excelente acumuladora de PHAs constituídos por monômeros de cadeia média. Os genes de PHA sintases usados são naturais de bactérias já muito conhecidas e estudadas, por de produzir polímeros mistos, que tem uma mistura de monômeros curtos e médios, o que os torna muito interessantes para a indústria de materiais. Polímeros desse tipo, chamados de copolimeros mistos, são mais maleáveis e processáveis, além de resistentes, podendo ser usados para confecção de fios de sutura, cápsulas para liberação controlada de fármacos e moldes para crescimento de tecidos, usados em cirurgias reconstitutivas. Por meio de ferramentas de biologia molecular esses genes serão introduzidos individualmente no DNA cromossomal de Pseudomonas. A metodologia usada apresenta um diferencial: as linhagens finais são livres de marca de resistência a antibióticos, que são cicatrizes comuns em organismos geneticamente modificados. Com isso, não é necessário o uso de antibióticos nas culturas para produção de PHAs, o que é uma vantagem do ponto de vista de produção industrial, pois facilita a produção e diminui seus custos. As linhagens construídas serão testadas em experimentos de frascos agitados e em reator biológico. O reator biológico é usado para produção em larga escala, tendo muitas das condições experimentais, como pH, oxigênio dissolvido, agitação e quantidade de fonte de carbono oferecida, controlados. O polímero produzido será caracterizado em relação a sua composição e suas características físicas. Com isso, espera-se obter uma linhagem capaz de produzir de forma eficiente polímeros com características adequadas para aplicação em diferentes segmentos da indústria.