Juliana Suyama Higa

Você já deve ter ouvido falar em placa bacteriana naqueles comerciais de enxaguantes bucais, mas o que são essas placas? Seriam elas um amontoado de bactérias que vivem em nossas bocas? Bom, essa afirmação não deixa de estar “correta”. As placas bacterianas nada mais são do que os chamados biofilmes bacterianos.

Biofilmes bacterianos são comunidades de bactérias envoltas por substâncias, principalmente açúcares, produzidas pelas próprias bactéria,  que conferem a comunidade proteção contra diversos tipos de agressões que ela pode vir a sofrer como, por exemplo, a falta de nutrientes, o uso de um antibiótico ou algum agente químico utilizado para combater bactérias.

O biofilme pode se aderir a superfícies abióticas (a= negação, Bio= vida; abiótico = “superfície sem vida”), como cateteres utilizados em tratamentos médicos ou bióticas (“bio = vida)  como em dentes ou ainda tecidos e células. São estruturas dinâmicas que apresentam etapas de formação, como pode ser observado na figura abaixo.

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Referência da figura: Adaptado de Monroe D (2007) Looking for Chinks in the Armor of Bacterial Biofilms. PLoS Biol 5(11): e307. doi:10.1371/journal.pbio.0050307

O primeiro passo na formação do biofilme é a adesão das bactérias planctônicas, ou seja, de vida livre à uma superfície e ocorre de forma aleatória, (Etapa 1 da Figura). Esta primeira adesão é reversível e é mantida por interações físico-químicas não específicas constituindo o alicerce para o crescimento do biofilme  A segunda fase da adesão consiste na transição do estágio reversível para o irreversível (Etapa 2 da Figura). As bactérias passam a secretar substâncias que serão responsáveis pela manutenção da adesão e da camada que envolve o biofilme. Nesta fase há o início da formação de microcolônias e do desenvolvimento da arquitetura do biofilme maduro (Etapas 3 e 4 da Figura). Os biofilmes maduros apresentam estrutura semelhante a cogumelos, que são envoltos por diversas substâncias, principalmente açúcares e rodeados por poros e canais de água que funcionam como um sistema de troca de nutrientes, oxigênio e metabólitos que precisam ser secretados para fora do biofilme A quinta e última fase da formação do biofilme ocorre quando o ambiente não é mais favorável à sua manutenção, e consiste no descolamento do biofilme maduro (Etapa 5 da Figura) em forma de agregados celulares ou células planctônicas.  Após desprendidas, as bactérias livres podem colonizar novos ambientes, reiniciando a formação de novos biofilmes.

Os biofilmes não estão presentes somente nos dentes. Qualquer bactéria pode formar biofilme, inclusive dentro de nosso organismo. Uma das espécies bacterianas que pode formar o biofilme é a Escherichia coli

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Fonte Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Transfer%C3%AAncia_horizontal_de_genes)

Esta bactéria é residente de nosso organismo e vive em simbiose conosco. Todavia, às vezes, através de um evento denominado transferência horizontal de genes processo em que um microrganismo transfere material genético para outra célula, bactérias que não são patogênicas passam a ser patogênicas podendo assim causar doença no hospedeiro. Quando as Escherichia coli são capazes de causar doença no intestino, são chamadas de Escherichia coli diarreiogenicas ou DECs. As DECs são classificadas em seis tipos, um deles é chamado Escherichia coli enteropatogênica, que causa diarreia em crianças com idade inferior à 5 anos. Estudos recentes em que participam um dos grupos do laboratório de genética do Instituto Butantan mostram que as Escherichia coli enteropatogênicas são capazes de formar biofilme tanto em superfícies abióticas quanto em células mantidas em laboratório.

Assim, quando você pensar novamente em bactérias, lembre-se que, embora seja dito que elas são pequenos organismos unicelulares, elas, assim como você, gostam de viver em comunidade e que assim como nós, tiram proveito da vida coletiva para viver da melhor maneira possível.

Se você quer saber mais sobre biofilmes, deixo com sugestão dois artigos, em inglês, bastante interessantes sobre o assunto.
1. STOODLEY, Paul et al. Biofilms as complex differentiated communities.Annual Reviews in Microbiology, v. 56, n. 1, p. 187-209, 2002. DOI: 10.1146/annurev.micro.56.012302.160705
2. CULLER, Hebert F. et al. Atypical Enteropathogenic Escherichia coli Strains form Biofilm on Abiotic Surfaces Regardless of Their Adherence Pattern on Cultured Epithelial Cells. BioMed research international, v. 2014, 2014. http://dx.doi.org/10.1155/2014/845147