Jorge Timenetsky (Lattes)
Laboratório de Bactérias Oportunistas – Departamento de Microbiologia – ICB/USP

Atualmente, estes microrganismos são chamados genericamente de molicutes e o termo micoplasma corresponde a um dos quatorze gêneros com o maior número de espécies.

Micoplasmas são bactérias da classe dos Mollicutes, filogenicamente são originárias das bactérias Gram positivas. A primeira espécie foi descoberta por Nocard & Roux, em 1898, de material pulmonar de bovinos com pleuropneumonia. Nos anos subsequentes, microrganismos com características semelhantes foram isolados de animais e de humanos e, portanto, por muito tempo foram chamados de PPLO (Pleuropneumonia-Like-Organisms).
Estas bactérias infectam células humanas, animais, alguns insetos e plantas. São considerados os menores seres vivos de vida livre, ou seja, em sua grande maioria multiplicam-se em meios de cultura sem células. Quando crescem em Ágar, formam geralmente minúsculas colônias em forma de “ovo frito” (Figura 1).

Figura 1. Colônias de micoplasmas

Figura 1. Colônias de micoplasmas

Como possuem o tamanho dos maiores vírus, aproximadamente 0,2 µm, somente podem ser visualizados pela microscopia eletrônica. São usualmente redondos ou elípticos, mas alguns podem ter terminações polares evidentes ou formarem micro-filamentos. Sendo pequenos desta maneira, usualmente não turvam caldos quando em crescimento.

As características dos molicutes são várias, das quais a ausência natural da parede celular é a mais conhecida e a membrana celular contém colesterol e proteínas. Na evolução de sua adaptação nos diferentes nichos, algumas espécies reduziram o genoma em cerca de 10 vezes. Mycoplasma genitalium de origem humana, foi o segundo microrganismo sequenciado por ter o menor DNA (580 Kpb) conhecido, mas alguns molicutes possuem 2200 Kpb. Com o pequeno genoma, apresentam metabolismo reduzido. Portanto, em geral, são mais lentos na sua multiplicação e levam de 3 a 16 horas para formarem outra célula. A replicação do DNA pode ser muito mais rápida do que divisão celular e portanto, por algum tempo, formam os micro-filamentos. Não sintetizam purinas, não possuem ciclo de Krebs, não sintetizam ácido fólico e possuem enzimas diferentes das bactérias “convencionais”. Consequentemente, antibióticos como os ?-lactâmicos e sulfonamidas não possuem alvo. A proporção de C+G no genoma é baixa, assemelhando-se às bactérias Gram positivas. O genoma possui muitas sequências repetitivas, um a dois genes de RNA e pouquíssimos mecanismos de reparo de DNA, facilitando as mutações e variações antigênicas. Apesar de serem de vida livre, a maioria das espécies “prefere” usualmente a superfície de células de mucosa respiratória e urogenital pela facilidade de obtenção dos nutrientes. Requerem “in vitro” diversos suplementos e entre os principais estão o soro animal e extrato fresco de levedura.

Possuem mecanismos de evasão ou modulação da resposta imune do hospedeiro. Algumas espécies são capazes de realizarem trocas antigênicas com células hospedeiras e outras são capazes de invadir células ou causar apoptose. Em hospedeiros imunossuprimidos ou outros fatores predisponentes a infecções em geral, podem causar infecções inesperadas ou não usuais. Como crescem lentamente nas células, podem não matá-las, mas podem estressá-las contribuindo com a cronicidade de algumas infecções ou desenvolvimento de complicações. Desta maneira, são bactérias conhecidas como oportunistas por excelência e, portanto a sua biologia é um desafio ao conhecimento do comportamento de microrganismos causadores de infecções.

taxonomia dos Mollicutes sempre esteve em mudança e existiam classicamente cerca de 200 espécies. Recentemente, pela analogia do DNA, algumas das antigas riquétsias foram incluídas na classe, aumentando o número de molicutes. Atualmente, existem gêneros não cultiváveis, como os hemoplasmas, causadores de anemias nos  animais e os fitoplasmas, que causam doenças em plantas. Com a inclusão destes “novos tipos”, principalmente dos não cultiváveis, estima-se que exista atualmente cerca de 300 espécies ou mais, mas muitas ainda não estão satisfatoriamente classificadas.

Os molicutes, em geral, são bactérias fastidiosas e as de maior importância humana e animal formam colônias em aproximadamente 7-15 dias, dificultando o diagnóstico microbiológico clássico. Assim, as técnicas de diagnóstico molecular têm superado as limitações das culturas convencionais. Existem também “kits” de diagnóstico, mas voltados para as espécies de maior importância humana e veterinária.

Apesar de serem naturalmente resistentes a alguns antibióticos pela ausência de alvo, são bactérias sensíveis em geral a muitos outros antibióticos e a tetraciclina é droga clássica. No entanto, a resistência dos molicutes a alguns antibióticos têm sido detectada principalmente nas amostras de importância humana. Apesar de oneroso para o uso preventivo de antibióticos contra as micoplasmoses animais, esta prática tem aumentado bem como o controle da eficácia destas drogas.

As vacinas licenciadas são para uso em alguns animais (aves, porcos) que, por sua vez, não impedem a infecção, mas minimizam os sintomas das doenças viabilizando a criação dos animais. Para humanos, apesar do avanço das pesquisas, as vacinas são insuficientes na proteção desejada e ainda possuem efeitos colaterais importantes.
Vale lembrar que estes microrganismos são também conhecidos na comunidade científica como contaminantes indesejáveis de culturas celulares e animais de laboratório (ratos e camundongos) por prejudicarem os resultados da pesquisa biomédica.

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